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terça-feira, 26 de outubro de 2010

TUI, O SACI E O EUCALIPTO


         A lenda do Saci, dizem, surgiu entre povos indígenas da região Sul do Brasil. Nessa época, era representado por um menino indígena de cor morena, que vivia aprontando travessuras na floresta.

         Ao migrar para o norte do país, o mito e o personagem sofreram modificações ao receberem influências da cultura africana. O Saci transformou-se num jovem negro com apenas uma perna, pois, de acordo com o mito, havia perdido a outra numa luta de capoeira. Passou a ser representado usando um gorro vermelho e um cachimbo, típico da cultura africana. Até os dias atuais ele é representado desta forma.

         Não sei se tudo isso é verdade, o que eu sei é que ele morava pertinho da casa de minha avó. Às vezes aparecia nas imediações do Passinho ou do Guapé; outras vezes era visto lá no sítio do “Seu Zarias”, no meio do mato, queimando o leite, dando nó em crina de cavalo, assustando o pessoal, queimando o feijão e virando furacão. Até lá pelas bandas do Turvo da Lagoa ele costumava aparecer. Mas o seu lugar preferido era mesmo a velha garagem do Bento França.

         Nunca cheguei a vê-lo, mas o Tui (Artur Trindade) jurava já ter visto várias vezes e com frequência entrava correndo pela casa de minha avó e pedia uma peneira para jogar no redemoinho que teimava em rodopiar lá na rua. Ele jurava que se fizesse isso a touca do Saci ficaria na peneira.

         Meu amigo Tui há algum tempo nos deixou. A velha garagem do Bento França já não existe mais... Agora em tempos de “Raloim”, por onde andará o nosso velho amigo Saci, que tanto medo provocava em nós, crianças curiosas que começavam a despertar para o mundo real?
 
         Dia 31 de outubro comemora-se o Dia do Saci e comecei a pesquisar alguma coisa para escrever sobre a data, quando me deparei com o “Cordel” de Ditão Virgílio, poeta de São Luis do Paraitinga, que parece ter sido escrito para São Miguel Arcanjo, e também para aquele Saci que o Tui teimava em querer pegar sua touca com peneira.

O Saci e o eucalipto - Cordel contra o Deserto Verde

1

Um dia fui passear
Lá no reino encantado
E em cima de um cupim
Eu vi o saci sentado
Com os olhos cheios d'água
Que há pouco tinha chorado
Então lhe perguntei
Por que estava desolado

2

Deu um rodamoinho
E ele me respondeu
Olha para as montanhas
Veja o que aconteceu
Plantaram uns paus compridos
Que depressa cresceram
Todos os bichos foram embora
E alguns até morreram

3

É o tal de eucalipto
Planta que não é daqui
Uma mata silenciosa
Que acabou com tudo ali
Os macacos foram embora
Até o mico e o sagui
Que saudade do sabiá
Do sanhaço e o bem-te-vi

4

Esta planta suga a terra
As nascentes estão secando
Nossos rios caudalosos
Devagar vão se acabando
As fazendas destruídas
Pelas máquinas vão tombando
O caipira sem destino
Pra cidade está mudando

5

As casinhas da fazenda
Também foram derrubadas
Só tem árvores no lugar
Quase não serve pra nada
Ressecando nossa terra
Expulsando a passarada
Não tendo onde criar
Não alegra a madrugada

6

Os peixes estão morrendo
Com o veneno espalhado
Um tal de mata-mato
Que seca até a invernada
Dão veneno pras formigas
Que nunca é controlado
Tamanduás e os tatus
Quase foram exterminados

7

Já não tem fogão de lenha
Onde fumo ia buscar
Não tem mais o galinheiro
Onde eu ia brincar
Acabou-se o chiqueiro
Não tem porco pra engordar
Os caipiras vão embora
Por não ter onde morar

8

Não tem vacas leiteiras
Nem bezerros a berrar
Mesmo o cavalo alazão
Já não tem o que pastar
O galo já não canta
Quando o dia vai clarear
Se continuar assim
O Saci não vai aguentar

9

Com a sombra desta árvore
As flores desapareceram
A juriti está calada
Não canta na capoeira
João-de-barro não faz casa
Pois não tem mais a paineira
O canarinho foi embora
Com o sabiá-laranjeira

10

Acabaram-se as algazarras
Das bonitas maritacas
Até mesmo garças brancas
Já ficaram muito fracas
Com esta falta de água
Também acabou a paca
O sertão está em silêncio
Com a praga que o ataca

11

O gavião-carcará
Já não tem o que comer
O curiango não canta
Quando chega o escurecer
A coruja em desespero
Voou no amanhecer
Até mesmo a cascavel
Não está tendo o que fazer

12

Não tem mais o milharal
Crescendo lá na baixada
Por isso o inhambu
Não pia mais na palhada
As rolinhas muito tristes
Já não fazem revoada
Tico-tico já não pula
Lá no meio da estrada

13

A saracura-três-potes
No brejo não pode morar
Naçanica-bico-verde
Não tem inseto pra pegar
Pois sem água o brejo seca
E não tem nada para dar
Os bichos morrem de sede
No seu próprio habitat

14

No rio não tem mais bagre
Nem traíra nem piaba
Pois com a falta de fruta
Vem a fome e tudo acaba
Veneno na enxurrada
Matou o pé de goiaba
Acabou fruta silvestre
E sumiu a jabuticaba

15

Também já secou
O Corguinho o lugar
Morreram os lambaris
Já não tem o que pescar
Camarão de água doce
Não sei onde foi parar
Sapo, perereca e rã
Pararam de coaxar

16

Até a bela siriema
Cantou lá na cachoeira
Tentando avisar o homem
Pra parar com essa besteira
Estão matando a natureza
Com uma flecha certeira
Este mal não vai ter cura
Vai durar a vida inteira

17

Queimaram os paus podres
Onde o pica-pau faz ninho
No oco dessas madeiras
Onde nascia o filhotinho
As mamangavas sumiram
Foram embora de mansinho
Só tem cheiro de eucalipto
Espalhado no caminho

18

Até mesmo as abelhas
Conseguiram enganar
Dizendo que essa árvore
Muitas flores ia dar
Mas quando os botões
Começaram a desabrochar
Eles fazem a derrubada
Não deixam nada sobrar

19

O pobre do vaga-lume
Não tem luz na escuridão
Pois esses paus compridos
Ficam distantes do chão
Atrapalhando o seu vôo
Nesta grande imensidão
Mesmo nos taquaris
Pode não ter salvação

20

Sou Saci estou preocupado
Se acabar o bambu
Como é que eu vou criar
No meio do taquaruçu
É lá onde também mora
Aquele bando de jacu
E eles estão sumindo
Juntinho com o anu

21
Com um veneno forte
Acabaram com o varjão
A baixada só tem pau
Já não planta mais feijão
A nossa mata nativa
Não tem mais brotação
Com a sombra dessa árvore
Nada nasce neste chão

22

Também a onça-pintada
Jaguatirica e suçuarana
Estão morrendo de fome
E ainda levam a fama
Porque o veado-mateiro
Morreu por falta de grama
Se você pensa que foi ela
Aí é que você se engana

23

O bem-te-vi já não canta
Na copada do pinheiro
E o sanhaço azul
Não senta no pessegueiro
A sombra acabou com tudo
Matou o pé de coqueiro
Tapera de pau-a-pique
Plantaram até no terreiro

24

O caipira indo embora
Vai acabar sua cultura
Não sou contra o eucalipto
Mas sim a monocultura
Não comemos celulose
Nem essa madeira dura
É com sede de dinheiro
Que cometem essa loucura

25

Na comida caseira
Não tem frango caipira
O porquinho na panela
Torresmo que se admira
Não tendo mais abobreira
Também não tem cambuquira
Nem toucinho no fumeiro
Nem couve rasgada em tira

26

Homem da roça apertado
Vai morar na cidade
E trabalha com eucalipto
Contra sua vontade
De vez em quando lembra
Que tinha felicidade
Num canto chora escondido
Do sertão sente saudade

27

Até o vento é diferente
Mudou a vegetação
Diz que é reflorestamento
Mas é uma enganação
Porque logo cortam tudo
Pra celulose e carvão
Deixando a nossa terra
Uma grande devastação

28

Por enquanto dão emprego
Dizendo que vão ajudar
Não passa muito tempo
Pra tudo isso acabar
Deixam tudo destruído
E saem pra outro lugar
Fica pra trás a miséria
E a fome vai se espalhar

29

Até mesmo a capelinha
Onde o povo ia rezar
Foi fechada a porteira
Para não poderem entrar
Tentam acabar com a festa
Que é tradição do lugar
Se deixarem trocam por pau
Até os santos do altar

30

Me chamaram de malvado
Pela minha esperteza
Gosto de traquinagem
Não sou mau com certeza
O que quero é defender
A nossa maior riqueza
Eu sou filho dessa terra
Brigo pela natureza

31

Vou indo rapidamente
Girando cisco no vento
Se você não pensar em mim
Agora neste momento
De pensar que eu já existo
Para isto fique atento
Não sou filho da mentira
Criação do pensamento

32

Dê um grito de alerta
Peça para o povo ajudar
Não deixe o eucalipto
Com o sertão acabar
Este deserto verde
Pouco tem e nada dá
Sou da terra das palmeiras
Onde canta o sabiá

(Ditão Virgilio. 13.08.2007- São Luiz do Paraitinga - SP)



sexta-feira, 22 de outubro de 2010

AQUI O PALHAÇO É VOCÊ !


         O eleitor brasileiro foi às urnas em três de outubro de 2010 sem saber direito como votar. Por incompetência dos legisladores criou-se uma lei para não ser cumprida. Exigiu-se que o eleitor levasse dois documentos na hora de votar. Seria preciso levar o título de eleitor e mais um documento com foto. Isso foi constantemente alardeado pela Justiça Eleitoral em propaganda veiculada por semanas em todas as rádios e televisões do país. Três dias antes das eleições, no entanto, o STF decidiu que essa lei não estaria valendo. Bastaria um documento com foto.

         A confusão aumentou com a indefinição sobre a extensão da Lei da Ficha Limpa. Resultado: Somados a outros políticos com pendências na Justiça Eleitoral, os fichas sujas tiveram mais de oito milhões de votos. São milhões de votos que podem valer ou não, dependendo do resultado dos recursos em tramitação – o que pode demorar alguns meses, talvez alguns anos, em face da lentidão da justiça.

         Agora, enquanto o TSE se preocupa com a alfabetização do Tiririca, se esquece dos “fichas sujas” e de outros corruptos eleitos à custa da desinformação da população. O que vale mais, a palavra fria da lei imaginada por legisladores, ou seu espírito aplicado nos reais anseios do cidadão?

         O certo é que essas eleições vão promover uma oxigenada tanto na Câmara Federal quanto na Assembleia. Há muito não se via uma renovação tão expressiva nos eleitos para o Legislativo. É claro que os novatos dividirão o plenário com velhas raposas da política que conseguiram o aval dos eleitores para continuar, seja por mérito, identificação ou pura falta de opção mesmo.

         As eleições deste ano foram, sem dúvida, as mais despolitizadas da história do país. A abstenção só não foi maior (+/- 23%) devido a obrigatoriedade do voto. No segundo turno imagino deva ser maior. Trinta e um de outubro, um domingo antecede o feriado de Finados da terça-feira. Já dá para antever o que irá acontecer.

         O fato é que o resultado dessas eleições pegou muitos políticos de calça curta. Ficou provado que cada vez mais o eleitor não se vale apenas do nome ou representatividade regional na escolha de quem vai ganhar o seu voto. Pelo que se viu, as pessoas têm buscado alguma identificação com quem pretende eleger, seja ela ideológica, religiosa ou por afinidade com o discurso.

         Talvez isso explique a assustadora soma de votos do palhaço Tiririca. Talvez até seja ele o mais digno representante do povo brasileiro. Estará no lugar certo. Certamente esse resultado não foi o voto de protesto, mas sim de identificação de quem acha mesmo que pior não pode ficar. A expressiva votação do Tiririca revela dois aspectos: Primeiro mostra a que ponto o eleitor rejeita os políticos. Segundo, como eles, políticos, foram espertos em perceber esse sentimento e voltá-los contra o próprio eleitor. Canalhice é o termo mais adequado para o uso de “celebridades” como puxadores de votos dentro dos partidos.

         Velhas raposas profissionais ou pequenos palhaços analfabetos? Quem é menos nocivo para a sociedade? Quando vejo políticos que estiveram envolvidos nos casos dos sanguessugas, mensalões, dinheiro em cuecas e meias, reeleitos, imagino que eles é que devem nos ver como palhaços... Então por que não termos um legítimo representante lá em Brasília?

         Enquanto isso, no segundo turno aparece esse debate dissimulado e hipócrita sobre o aborto. O problema do aborto diz respeito à saúde pública e educação, sobretudo em países dominados pela corrupção e pelo desapego às leis onde vale o “vale tudo”. Estão levando para o debate eleitoral uma fingida religiosidade trazendo Deus aos palanques como cabo eleitoral.

“Nada está definitivamente perdido, as vitórias parecem-se com as derrotas. Nem uma nem outra são definitivas.” (José Saramago)



quinta-feira, 21 de outubro de 2010

OLHAR SERENO



Depois de tanto tempo,
ele voltou e pediu:
Não feche as cortinas.
Deixe a torre da igreja na janela.
Quem sabe a lua também
passa esta noite por aqui.
Só mais uma coisa:
para dormir, quero um pouco
desse sereno do seu olhar.