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segunda-feira, 27 de junho de 2011

O PERIGO ESTÁ NOS PORTA-VOZES DE DEUS


O perigo não está nas ruas, nos milhões de arregimentados da Marcha para Cristo, nem nas passeatas contra o aborto de anencéfalos ou a interrupção da gravidez que resulte de estupro. Tampouco está nos movimentos pela proibição das pesquisas com células tronco que, só porque o STF decidiu, foi adiante e têm devolvido luz a cegos e vida plena a aleijados. A ameaça mora nos porta-vozes.

Quando o juiz Jeronymo Villas Boas subjugou um cartório de Goiânia para anular a união civil de um casal gay não o fez porque nela visse ofensa ao Direito, ainda que mais tarde buscasse essa escora. “Deus me incomodou, como que me impingiu a decidir”, justificou. É isso, o juiz e pastor Villas Boas ouviu a Ordem e desprezou a leitura da mais alta Corte do país sobre o assunto.

Sorte dele que já não se queimam nas fogueiras os que ouvem vozes. A Igreja ao longo de séculos mandou às chamas esquizofrênicos, revolucionários, sábios ou quem quer que lhe questionasse os dogmas. Hoje o juiz pode dar ouvidos ao que quiser, inclusive ao que ofende o direito.

Quando se vive nas democracias, pode-se praticamente tudo. Da insanidade de se anunciar interlocutor privilegiado do Todo-Poderoso à liberdade de apedrejar a própria democracia. Mas, o império da lei não parece ser o objetivo fundamental de personagens como Villas Boas. Por isso, talvez, em lugar de defender suas teses prefiram proibir a discussão de ideias que as contrariem.

Como não há convivência possível entre liberdade e treva, nada mais razoável do que o STF ter batido o martelo na direção da luz. Não por isso, no entanto, gays estão obrigados a firmar contratos de união. Mas, se desejarem, são livres para fazê-lo. Liberdade é a palavra.

Vai ver foi essa a novidade que produziu tanto barulho nas igrejas e bancadas religiosas da política. Olhada de perto a decisão apenas reflete o que só não se sabia no Congresso. Os contratos entre pessoas do mesmo sexo multiplicam-se pelo país há bem uma década, tempo em que esses aglomerados políticos (religiosos?) empenharam-se apenas pelos intere$$es de suas igrejas. Deram ouvidos à voz errada. A das ruas ecoou no Supremo.

Daí por que, pouco se aproveita do que dizem os políticos. Como o senador Magno Malta (PR), por exemplo, segundo o qual “o verdadeiro Supremo é Deus”. Ativista de nobre campanha contra os imbecis que molestam crianças, Malta produziu com a frase uma sandice. Deus pode ser a suprema expressão da crença de quantos Nele têm fé, mas não das leis que regulam a organização social do país.

Se em lugar de mandá-la às favas, os legisladores respeitassem a distância entre estado laico e crença religiosa, talvez tivessem evitado o constrangimento de receber como companhia a bispa Sônia Hernandes, da igreja Renascer em Cristo. “Meu Deus é dono do ouro e da prata. Enquanto meu Deus age, ninguém pode impedir”, profetizou ela à Folha de S. Paulo, durante a Marcha para Jesus.

Se é assim, para que Deus ela levava as bíblias recheadas de dólares, quando desembarcou há três anos nos Estados Unidos, foi presa, julgada e condenada? Passou um ano no xilindró e não há registro de que, em algum momento de sua defesa, tenha alegado que a fortuna pertencia ao Pai Celestial. Só por isso a democracia já vale a pena. Permite que personagens de variada estirpe não apenas andem juntas, como digam as idiotices que lhes vierem à cabeça. Só não podem ficar sem vigilância constante.

Por Xico Vargas

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