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sexta-feira, 19 de agosto de 2011


      A cena é de 2010, mas fatalmente se repetirá neste ano: Uma mãe, na saída de uma escola infantil, segurava pelas mãos um garoto de uns dois anos, com olhar assustado, com uma capa preta e uma cartola também preta com pequenas figuras de abóboras levando nas mãos uma espécie de machado de plástico.

      “A cultura é um sistema perceptivo de armazenagem e divulgação de informações de uma pessoa a outra. São processos inseparáveis da memória de cada indivíduo que formam uma comunidade. Ou seja, a estrutura de organização de uma sociedade se manifesta na orientação de sua memória coletiva. Cultura é assim memória coletiva não-hereditária. O que nossos avós e toda a estrutura social do século 19, que atravessou o século 20, sentiam, pensavam e percebiam desembocou naquilo que somos hoje. Mas de maneira a influenciar e não a determinar. Fosse hereditária, a cultura seria estanque. E não é”.

      Toda essa reflexão está calcada na informação mercadológica de que as vendas de materiais para fantasias da festa de Raloim, festa típica da cultura estadunidense, batem a então tradicional festa brasileira do Carnaval, em mais de 40%.

      O que explicaria esse fato é o interesse desenfreado das crianças. Ou das mães... As jovens na faixa etária entre 24 anos e 30 anos, com filhos nas pré-escolas ou ensino fundamental, foram as primeiras no Brasil, quando cursavam alguma escola de idioma inglês, a ter contato com as fantasias e apetrechos para a festa. E carregam, obviamente, essa alegria de poder brincar novamente, porém, agora, através dos filhos. Isso tende a persistir por gerações até que por alguma razão esse encantamento por brincar de bruxa e se fantasiar seja trocado por algum outro novo hábito.

      Esse é o ponto central dessa discussão. Não se trata de apenas e simplesmente julgar e acusar os brasileiros de macacos imitadores dos Estados Unidos. Claro que somos, afinal nada do que provocou a tradição do Raloim primeiramente na Irlanda e depois nos Estados Unidos (culturas anglosaxãs) tem relação com a cultura brasileira (latina). O ponto central é observar em qual momento a memória coletiva do brasileiro abandonou suas raízes e se permitiu ficar encantado.

      O Raloim nada mais é do que apenas mais um aspecto dessa massificação da cultura estadunidense sobre nós: o Papai Noel entrou em nossa vida como se de fato existisse, Nem mesmo as imagens das pesadas roupas de frio em contraponto com o nosso calor tropical chocam mais. O faroeste (hoje fora de moda) já ocupou horário nobre na TV brasileira. Hoje outra imitação importada são os rodeios, que infestam principalmente o interior paulista.

      Todos esses aspectos, isoladamente, têm um significado limitado. Mas no contexto social e histórico explicam ações cada vez menos sociais de nossa cultura. Explicam o individualismo do cada um por si. Explicam a falta de generosidade. Características que não eram da nossa cultura. Não eram. Mas são incrustadas em nosso inconsciente pelas mensagens subliminares que começam inocentemente com uma simples brincadeira onde o mote se expressa nessa palavra de ordem: “doce ou traquinagem”. Ou seja, “me dá o que eu quero senão eu te faço algum mal”.


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