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sábado, 14 de novembro de 2009

JÁ NÃO HÁ MAIS BARBEIROS...



           Se aquela cadeira falasse... Sentaram-se nela, várias pessoas. Algumas importantes, outras nem tanto. Prefeitos, vereadores, professores, doutores, padres, estudantes, mecânicos, gerentes de banco, caminhoneiros, boleiros, boêmios; bons e maus pagadores... Hoje, aquela mesma cadeira permanece na ativa. Talvez não com aquele glamour de outrora.
          Garotinho ainda, entre 06 e 07 anos, o “Salão Central” era meu ponto favorito na praça, além do que o barbeiro era meu pai. Mas não era só por isso. Gostava de ver meu pai trabalhando. Gostava de ouvir histórias, causos, novidades, que a toda hora chegavam pelos fregueses. Gostava de sentar-me naquela cadeira de couro vermelho e me fazer girar, mas também não escapava de varrer o chão de ladrilhos brancos e vermelhos gastos pelo tempo e que ficavam cobertos de cabelos. Isso sempre me rendia uns trocados.
          Era um ambiente quase que exclusivamente masculino o que fazia com que eu me sentisse um homem naquele local. Ficava imaginando quando é que eu iria fazer a barba com aquelas navalhas... Esse ambiente de “homens” às vezes era quebrado por alguma mãe que levava o filho pelo braço e dizia ao meu pai: Paulico, corta americano! Não sei se aquilo era um castigo para o filho; a cabeça toda raspada, preservando aquele topetinho no alto, era o fim, mas fazer o que.
          Pra não acompanhar a tosa pelo espelho, com os olhos buscavam outras coisas pelo salão, como folhinhas, cartazes, desenhos. Lembro-me de alguns, como o amigo da onça, bem de vida, cercado de mulheres e ao lado um mendigo, com seu saquinho às costas e o amigo da onça dizendo "ele fez fiado". Lembro-me também dos perfumes, lembrança que vem do olfato: Água Velva. Ainda hoje, fecho os olhos e sinto o perfume daqueles vidrinhos verdes, amarelos e vermelhos.
          Outra lembrança bem viva é o nome do fabricante da cadeira de barbeiro gravado no apoio dos pés, que na realidade eu lia bem porque não alcançava o apoio e meu pai colocava uma tábua sobre os braços da cadeira para que eu ficasse na altura para possibilitar o corte do cabelo.
          Acho que o nome FERRANTE foi a primeira palavra que aprendi a ler. Este nome forte e marcante ficou em minha memória.

Já não há barbeiros
Nem cadeiras de barbeiro,
Onde nos possamos sentar
E olhar, o olhar do nosso olhar
Refletido no espelho
Da cadeira do barbeiro,
Onde rasam tesouras rente às orelhas,
Enquanto nos sentamos
Na cadeira do barbeiro,
E pensamos em tudo e em tudo
Porque temos tempo para pensar
Para refletir e analisar
Quando estamos sentados
Na cadeira do barbeiro,
Sem outro remédio senão
Fitarmo-nos continuamente
E ver quem fomos, quem somos
E quem viremos a ser
Num mundo onde já não há
Cadeiras de barbeiro.

2 comentários:

  1. Paulinho, meu pai era freguês e, muitas vezes eu ia junto.Prá variar o corte era americano e eu também imaginava quando é que eu sentaria naquela FERRANTE para fazer a barba na navalha. Aquilo para mim era um ato que deixava algúem importante. Imagino as histórias que seu pai escutava; era uma verdadeira Agência Central de Inteligência....Abraços e parabéns pela crônica, muito bem escrita. Didil

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  2. enquanto morei em são miguel fui freguês, até do americano. sabe, algumas vezes, vendi o meu lugar na fila para uma pessoa mais velha, coisa de tostão, mas, dava prum picolé. eh eh.
    meu sonho era fazer a barba e por várias vezes, quando voltava à s. miguel ia na barbearia só para fazê-la, quando o paulico perguntava de s.paulo e tal. peguei, também, a madeira na cadeira e pisei muito no ferrante. era gostoso sentar naquelas cadeiras de espera, enfim, uma beleza e um encanto.
    abraços paulinho - jairinho costa

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