Ela mora numa pequena cidade do interior paulista, que ainda preserva algumas casas baixas, com janelões enfeitados de jardineiras floridas, apesar da fúria ensandecida daqueles que desprezando e desconhecendo o valor da preservação, põem abaixo a história da cidade.
Numa cidade tranquila, onde os moradores saúdam-se uns aos outros, parando para trocar as últimas notícias, o povo sabe dos acontecimentos graças ao rádio, à televisão, aos jornais, mas principalmente às notícias levadas e trazidas ao pé do ouvido. Vários assuntos dominam as conversas.
Dona Antonieta ou simplesmente Vovó Antonieta era avó de muitos netos, quase nonagenária, extremamente lúcida e atualizada, ficava sempre na janela, apreciando os acontecimentos e jogando conversa fora com os que passavam defronte à sua janela.
Passaram-se duas semanas e Serafim deu falta de Dona Antonieta entre as coloridas onze-horas da jardineira de sua janela. Preocupado, perguntou aqui e ali, sem atrever-se a bater à porta. Ouviu defronte à farmácia, que ela estava recolhida, com olhar vago divisando o nada, e muito triste.
O padre Januário, pároco cuidadoso e solícito, já a visitara. Quem sabe não teria sido para a unção dos enfermos, um prelúdio do encontro com a morte inevitável?
Saindo da farmácia, Serafim encaminhou-se até ao coreto, onde uma roda de pessoas jogava conversa fora. Teve um grande susto. Soube que Dona Antonieta, muito deprimida, mandara chamar o padre porque cometera um pecado muito grave. Impossível, matutava Serafim; uma senhora como Vovó Antonieta, que não atravessa o portão da rua, convivente, bondosa, não pode ter transgredido algum mandamento religioso.
Qual seria o pecado, remoia o curioso Serafim. Depois de muito papo, revelou-se o mistério. Soube-se pelo professor Martins que Dona Antonieta teria desejado a morte, um desejo pecaminoso: “quero morrer o quanto antes...”
Qual seria o motivo para tal desatino, perguntou Serafim ao professor Martins. O professor fitou-o com um olhar profundo e, sisudo, respondeu: Não consegue levantar a cabeça e nem aparecer em público depois que ficou sabendo que aquele prédio, ao lado de sua casa, que herdara de seu finado marido, onde vivera quase toda a sua vida, onde criou seus filhos e netos, e que só vendera, por necessidade, com a palavra empenhada do comprador de preservá-lo, seria demolido para a construção de um moderno prédio comercial.
“Quem não guarda o passado não garante o futuro”
Realmente Paulo, "quem não guarda o passado não garante o futuro"!
ResponderExcluirA velocidade da vida moderna faz com que tudo envelheça muito rapidamente e pareça sem valor para as novas gerações. Diante do domínio do tempo presente, o passado é desqualificado como experiência dígna de conhecimento e interesse, e condenado ao esquecimento.