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terça-feira, 24 de novembro de 2009

VOVÓ ANTONIETA



          Ela mora numa pequena cidade do interior paulista, que ainda preserva algumas casas baixas, com janelões enfeitados de jardineiras floridas, apesar da fúria ensandecida daqueles que desprezando e desconhecendo o valor da preservação, põem abaixo a história da cidade.
          Numa cidade tranquila, onde os moradores saúdam-se uns aos outros, parando para trocar as últimas notícias, o povo sabe dos acontecimentos graças ao rádio, à televisão, aos jornais, mas principalmente às notícias levadas e trazidas ao pé do ouvido. Vários assuntos dominam as conversas.
          Dona Antonieta ou simplesmente Vovó Antonieta era avó de muitos netos, quase nonagenária, extremamente lúcida e atualizada, ficava sempre na janela, apreciando os acontecimentos e jogando conversa fora com os que passavam defronte à sua janela.
          Passaram-se duas semanas e Serafim deu falta de Dona Antonieta entre as coloridas onze-horas da jardineira de sua janela. Preocupado, perguntou aqui e ali, sem atrever-se a bater à porta. Ouviu defronte à farmácia, que ela estava recolhida, com olhar vago divisando o nada, e muito triste.
          O padre Januário, pároco cuidadoso e solícito, já a visitara. Quem sabe não teria sido para a unção dos enfermos, um prelúdio do encontro com a morte inevitável?
          Saindo da farmácia, Serafim encaminhou-se até ao coreto, onde uma roda de pessoas jogava conversa fora. Teve um grande susto. Soube que Dona Antonieta, muito deprimida, mandara chamar o padre porque cometera um pecado muito grave. Impossível, matutava Serafim; uma senhora como Vovó Antonieta, que não atravessa o portão da rua, convivente, bondosa, não pode ter transgredido algum mandamento religioso.
          Qual seria o pecado, remoia o curioso Serafim. Depois de muito papo, revelou-se o mistério. Soube-se pelo professor Martins que Dona Antonieta teria desejado a morte, um desejo pecaminoso: “quero morrer o quanto antes...”
          Qual seria o motivo para tal desatino, perguntou Serafim ao professor Martins. O professor fitou-o com um olhar profundo e, sisudo, respondeu: Não consegue levantar a cabeça e nem aparecer em público depois que ficou sabendo que aquele prédio, ao lado de sua casa, que herdara de seu finado marido, onde vivera quase toda a sua vida, onde criou seus filhos e netos, e que só vendera, por necessidade, com a palavra empenhada do comprador de preservá-lo, seria demolido para a construção de um moderno prédio comercial.
          “Quem não guarda o passado não garante o futuro”

Um comentário:

  1. Realmente Paulo, "quem não guarda o passado não garante o futuro"!
    A velocidade da vida moderna faz com que tudo envelheça muito rapidamente e pareça sem valor para as novas gerações. Diante do domínio do tempo presente, o passado é desqualificado como experiência dígna de conhecimento e interesse, e condenado ao esquecimento.

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